Até serem falantes fluentes, os bebês passam pelas etapas de balbucio; lalação; pronúncia de algumas palavras e, finalmente, de frases ao completarem dois anos de idade. Dizemos que a criança é fluente quando ela atinge maturidade motora e mental para falar com facilidade, velocidade, continuidade e ritmo. Quando isso não ocorre, a gagueira infantil ou disfemia, que é seu nome técnico, entra em cena.
O desenvolvimento dessa habilidade depende dos estímulos do ambiente, é claro, mas principalmente de fatores individuais e genéticos.
Trata-se de um transtorno neurodesenvolvimental da infância, que tem grande impacto na vida do pequeno e de toda a família. Nesse post, você vai conhecer 4 fatos essenciais sobre a gagueira infantil, fase de aparecimento, remissão e tratamento. Fique com a gente!
1. Nem toda disfluência é anormal
Disfluência é o termo médico que designa as rupturas que, contra a vontade de um locutor (aquele que fala), atrapalham a velocidade ou a continuidade de um discurso. Eventualmente, isso acontece com todas as pessoas, mesmo com quem não tem nenhum distúrbio da fala.
Só para ilustrar, isso fica muito claro se você parar para observar quantas vezes nós, adultos, falamos coisas como “ééé…” ou “tipo” durante um diálogo.
Na gagueira infantil, no entanto, o pequeno acaba repetindo ou prolongando sons de sílabas e/ou palavras por hesitação ou fazendo pausas que impedem a fluidez do discurso. Para entender isso, é necessário dividir as disfluências em dois subgrupos: as comuns da fala — que não são necessariamente patológicas — e as típicas da gagueira.
No discurso de um indivíduo fluente podem aparecer até 10% de disfluências, mas apenas 3% delas serão típicas da gagueira. Sabemos que esse não é um critério fácil de mensurar em casa, mas não se preocupe. Ao longo desse post, você vai entender como observá-los de forma mais prática em casa.
Disfluências comuns da fala
- repetir palavras monossilábicas, como “é”, “sim”, “mas”; “lá”;
- repetir parte de uma palavra;
- repetir ou prolongar um som;
- pausas superiores a 2 segundos;
- intrusão de sons que não têm conexão com o conteúdo do discurso.
Disfluências típicas da gagueira
- repetir palavras dissílabas, trissílabas ou polissílabas, como “saudade”, “mochila” ou “terremoto”;
- repetir segmentos ou frases;
- uso excessivo de interjeições, como “tipo assim”, “então” ou “né?”;
- hesitação excessiva durante a fala;
- falar palavras de forma incompleta.
Além do aspecto quantitativo, ou seja, quantas vezes a criança apresenta interrupções, os aspectos qualitativos da fala também acendem sinal vermelho para a gagueira infantil. Essas crianças costumam apresentar o corpo tenso, principalmente o rosto, ou acabam perdendo o contato visual com o interlocutor.
Algumas delas adotam gestos, como bater os pés, chacoalhar as mãos ou piscar os olhos. Adicionalmente, a mudança da altura do tom da voz (pitch) ou a desistir de falar também devem ser motivo de preocupação.
2. A gagueira infantil não é emocional
Essa é uma crença antiga e equivocada. Embora nem todas as causas de gagueira sejam conhecidas pela ciência, hoje já se sabe que 80% delas são de origem hereditária. Uma pequena parte dos casos deriva de lesões de áreas importantes para aquisição da fala, que podem acontecer em traumas cranianos, processos neurotóxicos ou no parto, quando falta oxigênio (hipóxia) disponível para o bebê .
O termo “gagueira fisiológica” também não deve ser utilizado. Às vezes, uma criança que ainda não domina muito bem a língua e os fonemas pode apresentar hesitações ou cometer desvios, mas isso não é gagueira.
Por um lado, estudos de neuroimagem funcional vêm mostrando que a doença é causada por alterações anatômicas e funcionais do cérebro e, portanto, não se trata de uma fase do desenvolvimento da criança. Por outro lado, algumas hipóteses tentam justificar a disfemia.
Dopamina
A primeira delas refere que haja um excesso de dopamina nos núcleos da base, que são regiões do encéfalo que emitem e recebem projeções entre si e para várias outras partes do sistema nervoso central. A segunda hipótese é a de uma menor atividade lobo temporal esquerdo, parte lateral do cérebro onde fica o centro da linguagem, a Área de Broca.
Ao contrário do que muitos pensam, nosso cérebro não é simétrico. A linguagem, por exemplo, tende a ser mais ativa do lado esquerdo. Na gagueira, então, haveria uma hiperativação do lado direito em uma tentativa de compensar a baixa função do lado esquerdo.
Foi descrita, também, a possibilidade de uma baixa mielinização dos neurônios deste lado do cérebro. A mielina é uma bainha gordurosa que envolve a cauda dos neurônios e possibilita a transmissão perfeita do estímulo nervoso; nós já falamos sobre ela no post “4 curiosidades sobre quando o bebê começa a ouvir”.
Isso tudo contribui para a ideia de que pessoas com disfemia tenham pouca substância branca no cérebro. Enquanto a chamada massa cinzenta é composta pelos corpos dos neurônios, a parte branca é formada pelos seus axônios (a caudinha). Essas axônios, dessa maneira, são responsáveis por interligar as estruturas auditivas e motoras que coordenam todo o processo de ouvir, elaborar uma fala e dar o comando para os músculos da vocação. Poxa, um trabalhão né?
3. Nem sempre o quadro desaparece
Outra ideia falsa e amplamente difundida entre os pais é a de que a gagueira infantil sempre entra em remissão sozinha, basta ignorar e não dar ênfase a ela. O distúrbio geralmente aparece entre 2 e 3 anos de idade, mas nada impede que ele se manifeste quase na adolescência, por volta dos 12 anos.
Em alguns casos, a criança fala com fluência e abruptamente passa a gaguejar sem nenhuma explicação. Em outros, o quadro aparece e some em períodos intercalados ou vai se instalando gradualmente e piorando com o tempo. Existe, ainda, a gagueira transitória, que fica presente por apenas 2 ou 3 meses e depois some.
De fato, um grande número de crianças vai apresentar um grau de disfemia e mais da metade delas poderá entrar em remissão sem nenhuma intervenção antes do aniversário de 6 aninhos. Isso acontece com mais frequência em crianças do sexo feminino, mas não significa que vá acontecer com todas as crianças. A chance de remissão espontânea é maior nas 12 semanas que sucedem o surgimento dos sintomas.
Ambiente e gagueira
Entretanto, o risco do desaparecimento não ocorrer aumenta se as rupturas de discurso não melhorarem depois de um ano. Os principais fatores de risco para a cronificação da gagueira infantil são a idade do aparecimento que, se muito precoce, desfavorece a remissão, e ambientes comunicativos competitivos ou conturbados dentro de casa.
Isto é, famílias onde as pessoas não se escutam, interrompem umas às outras ou falam rápido demais.
Além da história familiar positiva, crianças do sexo masculino também têm mais chances de não se recuperarem espontaneamente. Por isso, é muito importante que seja criado um ambiente tranquilo para o diálogo dentro de casa. Isso serve para conversas só entre adultos e também entre adultos e crianças.
Em suma, o papai e a mamãe devem treinar a escuta ativa e paciente, e se esforçarem para não produzir interrupções e sobreposições de fala. Se você notar esforço excessivo para falar, desistência de falar ou repulsa de situações comunicativas, procure um fonoaudiólogo especializado o quanto antes.
4. A intervenção precoce é fundamental
Mamães e papais Noeh saem à frente, porque são bem informados e estão atentos a todos os marcos do desenvolvimento do bebê, sabendo identificar rapidamente quando algo não vai bem. Isso é super importante quando o assunto é gagueira infantil.
A intervenção rápida evita que a disfemia se instale em até 90% dos casos ou ajuda, pelo menos, que o quadro não progrida, reduzindo impactos na vida adulta. Por isso, fica nosso conselho: nunca se porte como se não houvesse nada de errado com a fala da criança.
A ausência de uma comunicação fluida somada à indiferença dos interlocutores (os pais) fará com que seu filho se sinta incompreendido e desamparado, potencializando sua insegurança. Você deve estar se perguntando: “como eu vou saber que é hora de procurar ajuda?”, por isso, elencamos alguns sinais práticos a serem observados.
São eles:
- sinal visível de esforço durante a fala;
- desistir de palavras, ideias ou situações que exijam comunicação;
- linguagem oral abaixo ou acima do esperado para a idade (4 palavras com 12 meses, 10 palavras com 18 meses e frases com dois anos).
Se o diagnóstico de gagueira infantil foi dado, mantenha a serenidade. O tratamento da disfemia, assim como praticamente tudo na abordagem infantil, exige alinhamento dentro de casa e também com a escola.
Ainda sobre o tratamento, as sessões de fonoterapia serão necessárias. Elas duram em média 40 minutos, e podem exigir a presença dos pais se a criança estiver em idade pré-escolar.
Curtiu? Então conheça as tecnologias que desenvolvemos para criar condições favoráveis ao desenvolvimento pleno da criança em seus primeiros mil dias de vida!
Noeh, tecnologias para cuidar da vida!
Espero que tenham gostado! Se ficou dúvida é só perguntar nos comentários!
Um abraço apertado, com carinho da Noeh
Referências
- Sommer M, Koch MA, Paulus W, Weiller C, Büchel C. Disconnection of speech-relevant brain areas in persistent developmental stuttering. Lancet. 2002;360(9330):380‐383. doi:10.1016/S0140-6736(02)09610-1
- Chang SE, Zhu DC, Choo AL, Angstadt M. White matter neuroanatomical differences in young children who stutter. Brain. 2015;138:694–711
- Gagueira Infantil. Departamento Científico de Otorrinolaringologia, SBP (2016-2018)
- Bohnen AJ, Ribeiro IM – Atualidades sobre a Gagueira – in Cesar, AM & Maksud SS – Fundamentos e Práticas em Fonoaudiologia. Volume 2 – Cap. 5 – Rio de Janeiro. Editora Revinter, 2016
- Using Brain Imaging to Unravel the Mysteries of Stuttering. The Stuttering Foundation.