Já conversamos, de forma geral, sobre o que é a marcha, as fases as quais ela é composta e como a analisamos. Mas, como se desenvolve a marcha do bebê? Se você parar para pensar, em apenas um ano, a criança evolui daquele bebezinho que não consegue levantar a cabeça para aquele que anda em pé e sozinho! Porque o bebê muda, de um padrão de movimento estável para um movimento instável e inseguro, por exemplo do engatinhar para a marcha?
Vamos conversar um pouco sobre isso? Meu nome é Liria, sou a Diretora de Pesquisa da Anamê e vamos conversar sobre o bebê nos seus primeiros mil dias…
Os estágios do Desenvolvimento
De antemão, todos sabem os estágios do desenvolvimento: ao menos, é de senso comum que a criança precisa sentar, engatinhar e andar, como mostra a Figura abaixo.
Foi em torno de 1925 que Arnold Gesell, um pediatra americano, primeiramente descreveu o desenvolvimento de uma criança típica. Em outras palavras, ele descreveu que esse desenvolvimento teria uma sequência que vai desde o levantar da cabeça voluntariamente até a caminhada em torno de 12 meses de idade.
Definitivamente, o conhecimento dessas fases de desenvolvimento é muito importante para identificar atrasos no desenvolvimento motor. Ela é muito bem descrita e documentada mas, a explicação do porque essas fases acontecem ainda está sob estudos.
Ainda assim, associa-se essas fases à maturação do sistema nervoso central, ou seja, o status maturacional e o status neuromotor estariam intimamente relacionados no desenvolvimento e, sua avaliação permitiria confirmar o funcionamento neurológico. Todavia, sabe-se por muitos outros trabalhos que este não é o único fator que interfere no desenvolvimento motor da criança.
Seja como for, a ordem das fases de desenvolvimento nem sempre são seguidas á risca. Com certeza você deve conhecer crianças que andaram sem engatinhar, por exemplo.
Desenvolvimento da marcha do bebê
De acordo com pesquisas que analisaram a posição dos pés dos bebês durante a caminhada, bebês no início da aquisição da marcha caminham igual ao “Charlie Chaplin”. em outras palavras, os passos são curtos, as pernas rodadas externamente e com os dedos dos pés apontando para fora (como descrevemos um pouco aqui).
Além disso, pela sua instabilidade em ficar num pé só, a maioria dos bebês que estão no início da fase de aquisição de marcha, não realizam a dorsiflexão do tornozelo antes do contato inicial (encostar primeiro o calcanhar). Como resultado, eles tocam o chão com o pé como um todo.
Ao passo que, com o desenvolvimento da marcha, as crianças começam a dar passos mais longos, mantêm menores distâncias entre os pés (base mais estreita), apontam os dedos dos pés mais para frente e, apresentam progressão rítmica do calcanhar ao dedos do pé e, a coordenação entre as pernas fica bem mais simétrica.
A ação da gravidade no desenvolvimento da marcha do bebê
Um dos exemplos de como o ambiente afeta o desenvolvimento motor é a gravidade. A gravidade tem 2 impactos importantes nas funções motoras do seu bebê: a orientação do corpo no espaço e, regras especificas de movimento no campo gravitacional. Na década de 90 pesquisadores mapearam o movimento do centro de massa do corpo humano no espaço e descobriram que sua trajetória era como um pêndulo invertido, como consequência das forças gravitacionais. Dessa forma pode-se otimizar o movimento e a gravidade atua de forma essencial na nossa forma de locomoção, como mostra a Figura.
Esse modelo representa um padrão geral de flutuação de energia mecânica do corpo quando movimentamos para frente e numa velocidade adequada. Na primeira fase de apoio, a energia cinética do movimento que leva o centro de massa para frente é então transformada em energia potencial gravitacional na segunda fase de apoio (você pode ler sobre essas fases da marcha aqui).
Com o centro de massa caindo para frente e para baixo. 70% da energia mecânica necessária é recuperada com esse mecanismo. Os outros 30% de energia é perdido pelo sistema e deve ser suprido pela energia gerada pela contração muscular.
Nos bebês no início da fase de aquisição de marcha, essa recuperação de energia é em torno dos 40%. Isso pode ser matematicamente explicado pela baixa velocidade em combinação com a forma como as crianças caminham (maiores oscilações verticais do corpo) e, que em 25-50% do ciclo de marcha, a energia cinética em potencial está em fase, impedindo a troca de energia. Mas em suma, o mecanismo de pêndulo invertido não está implementado nas crianças mas se desenvolve ao longo do tempo junto com a coordenação cinemática intersegmentar.
Bebês aprendem a caminhar
Como todo esse gasto energético, os bebês aprendem a andar. Mas, eles realmente aprendem? As teorias iniciais do desenvolvimento motor interpretavam a marcha como uma janela da maturação neuromuscular e não como aprendizado. Isso faz com que muita ênfase seja dada nessa maturação e esqueçamos a locomoção natural da criança.
Já pensou porque seu bebê abandona o uso de uma forma de locomoção tão estável e confortável e, que levou meses para adquirir para uma postura em pé precária e que envolve muitas quedas?
Um estudo feito com 151 crianças, analisando a locomoção natural das crianças, ou seja, sem restrição de movimento, mostrou que no engatinhar a criança se movimenta menos e portanto, percorrem menores distâncias. Isso limita sua exploração do ambiente.
Nesse mesmo estudo, eles afirmam que na média uma criança dá 2368 passos, caminham por 701m e caem 17 vezes por dia!!! Isso dá uma bagagem enorme de experiência para criança, o que ajuda no aprendizado. Além disso, essa quantidade de movimento não é feita de uma vez só, ela é distribuída ao longo do tempo. Essa prática distribuída ao longo do tempo é benéfica para o aprendizado motor, tornando-a mais consolidada, diminuindo a fadiga e renovando constantemente a motivação.
Motivação essa que é renovada a cada passo: possibilitando uma melhor visão sobre o ambiente ou mesmo, permitindo o manuseio de objetos, uma vez que as mãos ficam livres quando ficamos de pé (Figura acima).
O que aprendemos?
As crianças param depois de alguns passos, aumentam e diminuem a velocidade, mudam de direção, tropeçam e caem. Na locomoção natural modificações no comprimento do passo, velocidade e direção são necessários para se adaptar a vários tipos de terrenos diferentes. Sem considerar esses aspectos naturais da locomoção, não há como entender as habilidades funcionais dos ambientes naturais.
Uma coisa impressionante sobre as atividades básicas adquiridas na infância é o quanto são “fáceis” e rápidas de serem adquiridas. Crianças aprendem a andar, falar, pensar, brincar e perceber eventos e objetos no curso de atividades naturais. A atividade natural tem um papel essencial para guiar as pesquisas teorias e aplicações. Até hoje poucas são as pesquisas que estudam o ambiente natural do desenvolvimento de marcha das crianças
A execução de uma variedade de movimentos numa variedade de contextos ajuda esses aprendizes do movimento a identificar parâmetros relevantes e suas possibilidades, levando a uma maior flexibilidade e transferência para a vida. Muito mais do que a prática em bloco e intensa repetição.
Em conclusão, a magnitude, natureza, distribuição e variabilidade das experiências são o coração do desenvolvimento da marcha. Milhares de passos dados diariamente, sendo cada passo um pouco diferente do outro, pelas variações de terreno e de contínuos obstáculos biomecânicos ajudam a criança a identificar combinações relevantes dos parâmetros de força e equilíbrio e, finalmente encontrar um ajuste fino desses valores. Todos esses passos no mundo, que está em constante mudança, deve levar as crianças a adquirir mais eficiência no recrutamento dos músculos do corpo, uma melhor exploração das forças passivas e melhor diferenciação da informação perceptual exigida para manutenção do equilíbrio e da propulsão.
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Espero que tenham gostado! Se tiver dúvida é só perguntar que iremos te responder!
Um abraço apertado, com carinho da Liria da Anamê
Dra. Liria Okai-Nóbrega. Pesquisadora, Doutora em neurociências e pós doutora em ciências da Reabilitação.