Uma das maiores dúvidas dos pais sobre o pezinho do bebê é o pé plano, o famoso pé chato. A Ana da Noeh já falou sobre bebê e o pé chato no blog. Mas, entender melhor a mecânica dessa curvinha do pé, ou melhor do arco longitudinal, ajuda a gente a cuidar melhor do pezinho do bebê: a importância da curvinha do pé.
Pé plano é quando há um achatamento ou inexistência de um dos arcos plantares1. Então, para entendermos melhor sobre isso vamos falar desses arcos. A planta do nosso pé na verdade, possui três arcos: o arco longitudinal medial, o arco transversal e o arco longitudinal lateral. A imagem abaixo mostra a sola e a parte de dentro do pé de um bebê, ilustrando os arcos. Esses três arcos funcionam juntos, como uma abóbada plantar dando o aspecto arqueado, ajudando na função do pé2. Entretanto, o pé chato como conhecemos, se refere ao achatamento do arco longitudinal medial. E para que serve esse arco longitudinal?
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Função do arco longitudinal medial
A curvinha do pé do bebê ou seja, o arco longitudinal medial tem duas funções contrastantes: de estabilidade e também de mobilidade.
Em outras palavras, essa curvinha do pé propicia um bom equilíbrio quando ficamos em pé, dando estabilidade, já que é um indicativo da posição adequada dos ossos do pé, além de ser responsável pela proteção das suas estruturas. Além disso, o arco longitudinal medial também tem a função de absorção do choque com o chão e pela distribuição de cargas ao longo do pé, auxiliando a mobilidade2–4.
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Para entender essa distribuição de cargas, observe o desenho abaixo. As linhas de força dos ossos do tornozelo e pé mostram que 100% da força peso do nosso corpo passa pelo osso do tálus (vermelho – logo abaixo do tornozelo) e então, 50% passa posteriormente para o calcâneo (azul) e 50% anteriormente para a parte anterior do pé (verde).
Consequentemente, isto nos leva a pensar então no pé como uma estrutura rígida para nos aguentar o dia inteiro, não é mesmo? Sabe-se que movimentos corriqueiros da criança, como a corrida, aumentam a carga sobre o corpo em mais de três vezes (como mostra o gráfico abaixo). Isso nos deixa uma questão: como pode, movimentos de alto impacto como a corrida, por exemplo, não machucarem os músculos, vasos e ossinhos dos pés do bebê?
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Como a curvinha do pé se sustenta
A forma e a posição dos ossos do pé são parcialmente responsáveis pela estabilidade do arco plantar. A imagem abaixo mostra um pé de um adulto: o arco é ancorado posteriormente no calcâneo e anteriormente na cabeça dos metatarsos. Consequentemente, a forma inclinada desses ossinhos e a forma de arco dos ossos do mediopé (região do meio do pé) fornecem uma estabilidade ao arco, principalmente na posição de pé.
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Mas, apesar desse formato, os ossos sozinhos não são capazes de manter essa estrutura. Por exemplo, a figura abaixo mostra como o simples peso do nosso corpo levaria ao desabamento do arco longitudinal do pé, se ele fosse formado somente pelos ossinhos do pé.
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Por isso os ossinhos do pé são envoltos em estruturas como ligamentos, fáscias e músculos que atuam similarmente à molas, restaurando o arco na sua condição original quando a carga sobre ele é removida.
Arco longitudinal medial: uma mola no pezinho do bebê
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Além dos ossos e ligamentos, a aponeurose plantar, ou seja, a fáscia que está presente no pé do bebê atua junto com os suportes ósseos e ligamentares anteriores e posteriores assim como um tirante. A imagem acima mostra um esquema para ajudar a compreender como a fáscia plantar mantem as estruturas unidas numa sobrecarga.
Este design é eficiente porque os suportes ósseos são sujeitos à forças compressivas enquanto o tirante é sujeito a forças tensionais, minimizando possibilidades de lesões. Além disso, temos os músculos dos pés. Aqueles pequenos que estão na planta do pé e os da perna que atuam diretamente nesse arco2. E como qualquer músculo do nosso corpo, eles precisam ser exercitados para poder trabalhar adequadamente.
O bebê e o arco plantar
Se o arco plantar auxilia na estabilidade e mobilidade, então o pé do bebê já deve nascer com ele formado, mesmo antes de colocar o pé no chão?
O pé do bebê o famoso, pé bisnaguinha, não apresenta esse arco na primeira infância2, o que deixa os pais muito aflitos. Isso acontece porque, como todo o corpo do bebê, o pé também está em desenvolvimento (observe aqui a diferença entre o pé do bebê e do adulto). Além disso, os bebês aprendem a caminhar baseados nas modificações do seu corpo geradas pelo próprio crescimento no primeiro ano de vida7. E é lá pelos cinco anos, quando a criança adquire uma marcha mais semelhante a do adulto é que o arco se assemelha ao que conhecemos2.
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Quando o bebê caminha e, toca o pé no chão, o pé tem que aceitar o peso do corpo e se adaptar a superfície do solo. Para isso, o arco plantar tem que ser flexível para amortecer o impacto das forças e amortecer movimentos de torsão do pé. E, por meio dessa flexibilidade ele consegue ser complacente o suficiente para receber a carga e ser capaz de distribuir o peso ao longo do pé e ao mesmo tempo, ser rígido para impulsionar o corpo para frente quando caminhamos.
Como ajudar o melhor desenvolvimento do pé do seu bebê?
Cada fase do desenvolvimento do seu bebê é importante e deve ser respeitada. Se ele está começando a caminhar, ofereça um ambiente rico de estímulos motores e sensoriais, como indica Sociedade Brasileira de Ortopedia Pediátrica e a FioCruz . Em outras palavras, permita que ele explore diferentes solos e faça com que o pezinho se adapte a esses diferentes ambientes.
Atualmente, os bebês urbanos são super protegidos e passam o dia na escolinha, no mesmo ambiente e o tempo todo calçados. Uma pesquisa publicada na Revista Brasileira de Ortopedia mostra o efeito dessa falta de estímulos nas crianças. Portanto, quanto mais experiências você puder oferecer para seu pequeno caminhante, melhor. O mais importante é que essas diferentes experiências vão fornecer estímulos ao pé do seu bebê. Como resultado, o seu próprio desenvolvimento natural vai permitir ser capaz de adaptações a diferentes ambientes.
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Fraqueza muscular, anormalidades ósseas, cargas excessivas, frouxidão dos tecidos conectivos, excessos de atividades físicas, muito tempo em pé, mau hábitos ao ficar de pé ou durante a caminhada e calçados inadequados podem alterar a arquitetura do pé e causar o desabamento do arco plantar, o famoso pé chato. Por isso, anormalidades estruturais, como as ósseas por exemplo, devem ser acompanhadas pelo seu pediatra ou ortopedista de confiança.
Bebê e os benefícios da natureza
Crianças que são ativas e tem muito contato com o solo irregular consequentemente, fazem com que o pé se ajuste constantemente com as irregularidades do terreno e por isso, não apresentam o pé chato4. Ele é mais comum em crianças que usam calçados por mais de 8 horas por dia, em obesos e em pessoas que apresentam frouxidão ligamentar8. Portanto, deixe seu filho descalço explorando o ambiente quando puder e, quando precisar, use um calçado adequado para essa idade, de preferência biomimético. Isso fará com que pé do seu bebê tenha os estímulos necessários para ajudar a formar o arco longitudinal plantar, a curvinha do pé. O pezinho do bebê agradece….
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Noeh, tecnologias para cuidar da vida!
Espero que tenham gostado! Se tiver dúvida é só perguntar!
Um abraço apertado, com carinho da Liria da Anamê
Dra. Liria Okai-Nóbrega. Pesquisadora, Doutora em neurociências e pós doutora em ciências da Reabilitação.
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